Foi nesta madrugada. No silêncio da noite. A crônica doença que tirou do jogo terreno o nosso Doutor Sócrates foi irônica no seu desfecho.
O Magrão partiu sem despertar muita atenção. O triste anúncio foi dado quando a maioria ainda estava nos braços de Morfeu, o deus grego dos sonhos.
O nosso Sócrates, no campo, era discreto. Comemorava quieto seus gols, numa espécie de antítese da energia que despertava o momento supremo do futebol.
Fora de campo, fazia jus ao nome. Era hábil com as palavras e ideias. Em campo, estava mais para um general, estrategista afiado na elaboração do plano de jogo e frio na sua execução.
Assim como no esporte, jamais se escondia na vida e expressava muito nitidamente suas posições. Na política, jogava na esquerda, enquanto nos gramados militava mais pela meia direita avançada.
Certamente deixará muitas saudades entre quem teve o prazer de conhecê-lo e desfrutar da sua companhia. E deixará também um vazio entre os que não puderam realizar esse desejo, entre os quais me incluo.
Segue a vida. Segue o jogo. E o Doutor Sócrates entra para a nossa galeria de estrelas que tanto brilharam na Terra e agora cintilam em algum lugar no universo.
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Na madrugada do dia em que o Corinthians pode conquistar o seu quinto título do Campeonato Brasileiro, a torcida do Timão fica de luto.
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Nenhuma alegria hoje, após a última rodada do Brasileirão 2011, superará a tristeza pela passagem do Doutor Sócrates.
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Não faz muito tempo, cheguei a pedir – por e-mail – uma entrevista a ele, para o meu livro sobre o Eduardo Galeano. Não obtive resposta, mas gente que o conhecia me disse que o Doutor não era muito organizado com as correspondências eletrônicas. Iria tentar novo contato mais à frente. Agora é tarde.
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O escritor uruguaio, mestre no futebol jogado com as mãos, com a escrita, não falou muito sobre o Magrão. No clássico “Futebol ao sol e à sombra”, três breves citações. Uma no texto que reproduzo abaixo, que o lista entre alguns dos maiores artistas do esporte mais popular do planeta.
Chifre em cabeça de cavalo
Alain Giresse formou, junto com Platini, Tigana e Genghini, o mais espetacular meio de campo do Mundial de 82 e de toda a história do futebol francês. Na tela da televisão, Giresse era tão pequenino que sempre parecia
estar longe.
O húngaro Puskas era atarracado e gordo, como o alemão Seeler. O holandês Cruyff e o italiano Gianni Rivera eram jogadores de físico frágil. Pelé tinha pé chato, como Nestor Rossi, o sólido meio de campo argentino. O brasileiro Rivelino tinha o pior rendimento no teste de Cooper, mas no campo não havia quem o capturasse, e seu compatriota Sócrates tinha corpo de garça, altas pernas magérrimas e pés pequenos que se cansavam fácil, mas era um mestre do calcanhar, e se dava ao luxo de cobrar pênaltis com ele.
Enganam-se redondamente os que acreditam que as medidas físicas e os índices de velocidade e de força determinam a eficácia de um jogador de futebol, como se enganam redondamente os que crêem que os testes de inteligência têm algo a ver com o talento ou que existe alguma relação entre o tamanho do pênis e o prazer sexual. Os bons jogadores de futebol podem não ser titãs talhados por Michelangelo. No futebol, a habilidade é mais determinante que as condições atléticas, e em muitos casos a habilidade consiste na arte de transformar as limitações em virtudes.
O colombiano Carlos Valderrama tem os pés tortos, e essa arcada serve para ele esconder melhor a bola. O mesmo acontecia com as pernas tortas de Garrincha. Onde está a bola? Na orelha? Dentro da chuteira? Para onde foi? O uruguaio Cococho Álvarez, que andava mancando, tinha um pé apontando para o outro, e foi um dos poucos beques que pode controlar Pelé sem atingi-lo.
Foram dois baixinhos meio gordinhos, Romário e Maradona, as estrelas do Mundial de 94. E têm essa mesma estatura dois atacantes uruguaios que triunfaram na Itália nos últimos anos, Ruben Sosa e Carlos Aguilera.
Graças a seu minúsculo tamanho, o brasileiro Leônidas, o inglês Kevin Keegan, o irlandês George Best e o dinamarquês Allan Simonsen, chamado de Pulga, conseguiam escorregar através de defesas impenetráveis e se safavam facilmente dos zagueiros grandões, que tentavam tudo mas não conseguiam detêlos.
Também foi pequeno, mas blindado, Félix Loustau, o ponta esquerda da
Máquina do River Plate, e era chamado de Ventilador, porque era ele que dava um respiro ao resto do time fazendo-se perseguir pelos adversários. Os homens de Liliput podem mudar de ritmo e acelerar bruscamente, sem que se derrube o alto edifício do corpo.
[Eduardo Galeano, “Futebol ao sol e à sombra”]
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Boa Viagem !!!
By: ana lucia salgado on 04/12/2011
at 7:25
Bela homenagem, amigo Rogério!
By: Jéssica Macêdo on 04/12/2011
at 7:43
Nós que amamos este esporte não podemos ficar indiferentes a esta data. E concordo continuo, Mano véio: “Nenhuma alegria hoje, após a última rodada do Brasileirão 2011, superará a tristeza pela passagem do Doutor Sócrates.”
By: Marcelo Arruda on 04/12/2011
at 8:11
Justa homenagem Junior, que descanse em paz o homem sem fisico de atleta mas com genialidade de poucos com a bola nos pés.
Descanse em paz Doutor.
By: Diogo Tomaz on 04/12/2011
at 13:17
Belíssimo texto, Rogério.
By: Cecília Bizerra Sousa on 04/12/2011
at 15:12
Com ctz vai deixar muitas saudades.
By: freymaciel on 04/12/2011
at 20:01