Publicado por: Rogério Tomaz Jr. | 02/12/2010

Lula não tem limites para defender Sarney?

O que teve início como aliança política constrangedora entre líderes políticos com trajetórias muito distintas se transformou em compadrio.

É a única explicação possível para se compreender — o que não implica concordar com — a postura de defesa incondicional que Lula adotou em relação a José Sarney.

Escrevo esse texto por conta de reportagem do jornal O Estado de São Paulo de ontem, quarta (1), assinada por Leonencio Nossa:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou irritado, ontem, em Estreito (MA), com uma pergunta do Estado sobre sua relação com o grupo do senador José Sarney (PMDB-AP) no Maranhão. A reportagem indagou se a visita era uma forma de “agradecer o apoio da oligarquia Sarney” a seu governo. Para Lula, a pergunta foi “preconceituosa”.

“Agradeço, agradeço… e a pergunta preconceituosa como esta é grave para quem está há oito anos cobrindo Brasília. Demonstra que você não evoluiu nada. O presidente Sarney é presidente do Senado… preconceito é uma doença. O Senado é uma instituição autônoma diante do Poder Executivo, da mesma forma, o Poder Judiciário. O Sarney colaborou muito para a institucionalidade. E ademais é o seguinte: o Sarney foi eleito pelo Amapá, eu não sei por que o preconceito. Você tem de se tratar, quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito”, disse o presidente ao repórter.

Irritado, Lula ainda citou o palhaço Tiririca, eleito deputado. “Se você tiver de fazer algum protesto vai para o Amapá, porque foi lá que o povo elegeu Sarney. E vai para São Paulo, porque o povo elegeu Tiririca. Na medida em que a pessoa é eleita e toma posse, ela passa a ser uma instituição e tem de ser respeitada”, afirmou, dirigindo-se ao repórter.

Que o presidente do Senado não é uma pessoa comum, disso ninguém tem dúvida, embora os críticos hipócritas tenham dado uma interpretação conveniente e distorcida a uma frase de Lula dita em junho de 2009, durante a enchente de denúncias (que se sustentam juridicamente, sim, ao contrário do que disse Lula – leia a íntegra da matéria acima) contra o patriarca da oligarquia mais pérfida do Brasil.

Daí a tratá-lo como um ente intocável, que paira acima do bem e do mal, como Lula sugere com sua reação grosseira e injustificável a uma mera pergunta (mesmo que ela traga uma certa dose de ironia e sarcasmo), é algo muito diferente e completamente incompatível com a liberdade pela qual Lula tanto lutou durante a ditadura militar.

Sarney, na visão de Lula?

Esse episódio ocorrido em Estreito(MA), durante inauguração de uma obra, só reforça uma tese que defendo e resumo aqui em três pontos:

– é incontestável, sob qualquer ponto de vista, que os avanços sociais e conquistas materiais obtidas durante os oito anos de governo Lula foram os mais significativos em toda a nossa história;

– entretanto, os avanços na consciência política e educação cidadã (no sentido da noção de direitos e deveres da população e das obrigações do poder público) não foram proporcionais aos ganhos sociais e materiais;

– esta assimetria pode ser responsável não apenas por eventuais derrotas eleitorais (estas são inevitáveis), mas, sobretudo, por retrocessos profundos em relação ao senso comum hegemônico em torno de direitos e garantias fundamentais, como atestou a orientação ultraconservadora que conduziu a campanha de José Serra contra Dilma Rousseff na recente eleição.

Ao defender de forma incondicional um notório oligarca e representante do que existe de pior na política em nosso país, Lula contribui de forma decisiva para esse agudizar o descompasso entre o que o seu governo permitiu e alcançou e que tipo de leitura será possível à sociedade fazer e consolidar sobre (para que possa defender e se envolver com) o processo de mudança pelo qual passamos a partir de 2003.

Pior, o melhor presidente da história do Brasil e um dos principais líderes globais das últimas quatro décadas — provável ganhador do Nobel da Paz a ser anunciado em janeiro próximo — se apequena demais ao tentar blindar o velhaco-mór da República.

O conceito de 99% da população brasileira sobre Sarney

A atitude de Lula em relação a Sarney, além de se enquadrar na categoria da pedagogia (ou antipedagogia) do exemplo, é representativa de uma opção dos setores dominantes do PT.

O tratamento dado por parte da cúpula do PT à oligarquia Sarney (incluindo o braço no Amapá) despreza outros aliados da base governista e chega ao cúmulo de atropelar a democracia interna do próprio PT.

Que o digam os militantes do PT e o PCdoB do Maranhão, obrigados a engolir, em junho passado, uma decisão truculenta do Diretório Nacional do partido que tem orgulho de seu modelo de organização política (clique aqui para refrescar a memória sobre esse episódio).

Àquela época, Manoel da Conceição, um dos maiores lutadores populares da nossa história, fundador do PT nacional, deu o recado (clique aqui para ler) lembrando que existe limite para tudo, mas Lula parece não ter lido.

Curioso que Roseana Sarney foi a única eleita ainda no primeiro turno que não apareceu na propaganda de Dilma Rousseff no segundo turno.

Em resumo: defender a aliança com o PMDB, comandado por Sarney, para facilitar a composição da maioria no Congresso eu também defendo. E com vigor, apesar dos pesares. Mas emprestar a José Sarney uma aura que ele nem de longe possui é mais do que contradição, é perder a noção da realidade e confundir aliança política com promiscuidade política.

Como disse o Marcio Jerry, presidente do PCdoB de São Luís(MA), no seu Twitter:

Vai faltar psicanalista no Maranhão. Afinal quem critica Sarney precisa de um, recomenda o estimado presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Alguém tem o contato de um/a bom/boa analista para me passar, de preferência lacaniano/a?


Respostas

  1. Boa matéria, Rogério. Eu explicaria a postura de Lula como puramente afetiva, na linha da simpatia do comunista Jorge Amado, sua mulher, a anarquista Zelia Gattai, além de Caetano Veloso e Dorival Caymmi, e tantos outros, por ACM. Esses oligarcas, por mais odiosos que sejam para seus críticos, com certeza sabem exercer poderosa sedução, sobretudo por sua lealdade feroz a seus amigos, e daí temos situações bastante paradoxais e constrangedoras, como a que você descreveu.

    Abraço e parabés pelo texto.

    • Valeu, Miguel. Concordo em parte com você, mas (infelizmente) há outros elementos – de outra natureza – envolvidos que não posso colocar no texto por falta de comprovação. Se conseguir isso, publicarei um complemento em outro texto. Abrs!

      • Rogério, seja lá o que você estiver procurando, é isso mesmo 🙂 tá na cara que tem algo mais.

  2. Parabéns pelo texto Rogério. Como vc bem comentou sujar uma trajetória santificando alguns corruptos é deprimente e bastante decepcionante.

  3. Não chamaria de compadrio essa união, chamo de falta de vergonha mesmo, não nos esqueçamos que na Bahia Lula criticou a assassina oligarquia de ACM, mas quando se trata dos Sarnas a proteção é irrestrita…
    Não nos esqueçamos que o maldito velho do Sarney já conseguiu impor três nomes ao novo ministério de Dilma, o que esperar deles?
    Nada além da corrupção escancarada não precisamos lembrar o currículo de Ladrão digo Lobão…
    É este o Brasil que não vai parar…


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