Publicado por: Rogério Tomaz Jr. | 27/06/2009

Zeca Baleiro: Maranhão, engenhosa mentira

Segue excelente artigo do Zeca Baleiro, que estudou Comunicação na UFMA alguns anos antes de eu passar por lá, convivendo com uma geração pródiga em artistas e militantes.

Saiu na Isto É de 1º de abril passado (edição 2055), no contexto do julgamento sobre a cassação do então governador Jackson Lago.

Leitura muito útil nesse momento em que “Sir Ney” está emparedado. Clique em Leia Mais.

Maranhão, engenhosa mentira
Não me espantará que num futuro próximo o Maranhão venha a ser chamado de “Uganda brasileira”

Zeca Baleiro*

O Maranhão é um Estado do Meio Norte brasileiro, um preciosismo para nomear a região geograficamente multifacetada que é ponto de interseção entre o Nordeste e a Amazônia. Com área de 330 mil km2, pleno de riquezas naturais, tem fartas agricultura e pecuária, uma culinária rica e diversa e uma cultura popular exuberante. Não obstante tudo isso, pesquisa recente coloca o Estado como o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do País, atrás apenas de Alagoas.

Sou maranhense. Nasci em São Luís, capital do Estado, no ano de 1966, mesmo ano em que o emergente político José Sarney assumiu o governo estadual, sucedendo o reinado soberano do senador Vitorino Freire, tenente pernambucano que se tornou cacique político do Maranhão, a dominar a cena estadual por quase 40 anos. De 1966 até os dias de hoje, são outros 40 anos de domínio político no feudo do Maranhão, este urdido pelo senador eleito pelo Amapá José Sarney e seus correligionários, sucedâneos e súditos, que gerou um império cujo sólido (e sórdido) alicerce é o clientelismo político, sustentado pela cultura de funcionalismo público e currais eleitorais do interior, onde o analfabetismo é alarmante.

O senador José Sarney, recém-empossado presidente do Senado em um jogo de caras barganhas políticas, parecia ter saído da cena política regional para dar lugar a ares mais democráticos, depois de amargar a derrota da filha Roseana na última eleição ao governo do Estado para o pedetista Jackson Lago. Mas eis que volta, por meio de manobras politicamente engenhosas e juridicamente questionáveis, para não dizer suspeitas, orquestrando a cassação do governador eleito, sob a acusação de crime eleitoral, conduzindo a filha outra vez ao trono de seu império. Suprema ironia, uma vez que paira sobre seus triunfos políticos a eterna desconfiança de manipulações eleitoreiras (a propósito, entre os muitos significados da palavra maranhão no dicionário há este: “mentira engenhosa”).

Em recente entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disparou frase cruel: “Não vamos transformar o Brasil num grande Maranhão.” A frase, de efeito, aludia a uma provável política de troca de favores praticada pelo Planalto atualmente – segundo acusação do ex-presidente -, baseada em jogo de interesses regionais tacanhos e tráfico de influências. Como alguém nascido no Maranhão, e que torce para que o Estado alcance um lugar digno na história do País (potencial para isso não lhe falta, afinal!), lamento o comentário de FHC, mas entendo a sua ironia, pois o Maranhão tornou-se, infelizmente, ao longo dos tempos, um emblema do que de pior existe na política brasileira. Não é de admirar que divida o ranking dos “piores” com Alagoas, outro Estado dominado por conhecidas dinastias familiares.

Em seus tempos de apogeu literário, São Luís, a capital do Maranhão, tornou-se conhecida como a “Atenas brasileira”. Mais recentemente, pela reputação de cidade amante do reggae, ganhou a alcunha de “Jamaica brasileira”. Não me espantará que num futuro próximo o Maranhão venha a ser chamado de “Uganda brasileira” ou “Haiti brasileiro”. A semelhança com o quadro de absoluta miséria social a que dois célebres ditadores levaram estes países – além do apaixonado apego ao poder, claro – talvez justificasse os epítetos.

*Zeca Baleiro é cantor é compositor.


Respostas

  1. Sugestão para um próximo artigo de Zeca Baleiro: mostrar como núcleo duro do Governo Lula negocia com Sarney e saber se família Sarney ouve e gosta de Zeca Baleiro;-)

  2. texto excelente!

  3. As últimas revelações ocorridas no Senado Federal nos deixaram revoltados com o nível de picaretagem estabelecida naquele lugar. Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, princípios da Administração Pública explicitados no Artigo 37 da Constituição, foram guardados no bolso, esquecidos em gavetas ou jogados fora.

    Mais uma vez, espaço público e privado se confundem e os “donos da lei”, acima de qualquer norma estabelecida ou congenere, demonstraram não ter o menor respeito à seus mandatos. Em um jogo de manda e desmanda atos secretos foram escancarados.

    Nesse momento, vemos em Brasília a personificação do rato que não pode apontar a sujeira ou tão pouco sugerir meios para que a limpem. Realmente, presidente, Vossa Excelência não foi eleita para por a mão na lixeira, autoincriminar-se ou punir seus nobres colegas, seria um ato falho.

    É um privilégio assistir a derrocada da personagem política mais odiada no estado do Maranhão. Na hora em que os holofotes da mídia desviam o olhar para do Legislativo rogamos para que Sarney encerre com chave de ouro sua biografia.

  4. Excelente texto. Estou procurando uma matéria publicada na Revista Carta Capital (antiga), que mostrou para todos os leitores a verdadeira dinastia da familia Sarney no estado do Maranhão. Procuando pela site da revista, só encontrei edições do ano de 2008 e 2009. Acredito que a revista date de 2005 ou 2006. Se alguém tiver esta revista e queira compartilhar, agradeço.
    Att, Wagner.


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