Publicado por: Rogério Tomaz Jr. | 14/02/2011

Mensagem de Santiago, taxista de Caracas, para Dilma e o povo brasileiro

No final do ano passei duas semanas entre Cuba e Venezuela.

Em Caracas conheci um taxista simpático, humilde, inteligente e muito politizado. Arquimedes Santiago Chacón, quarenta e poucos anos de muita jovialidade.

No caminho para o aeroporto de Maiquetía (a cerca de 30Km de Caracas), num engarrafamento que fez o trajeto durar mais de duas horas, Santiago me deu uma aula de história política da Venezuela, com detalhes sobre os partidos e coligações e sobre fatos que tiveram grande impacto nos rumos do país.

Também falou sobre o processo que levou Chávez à presidência  e defendeu com entusiasmo e convicção os avanços da Revolução Bolivariana. Contou que teve a sorte de encontrar o presidente durante um evento e guarda com orgulho o momento em que pôde abraçá-lo. “Quando um homem como eu pegaria na mão de um presidente? Fico arrepiado só de lembrar daquele momento”, dizia, sorrindo.

O taxista foi um dos beneficiados pela Operação Milagre, convênio do governo bolivariano com Cuba que anualmente permite a milhares de venezuelanos pobres realizarem cirurgias na ilha socialista, na maioria dos casos para curar problemas de visão.

O encontro foi no dia 27 de dezembro. Apesar de tímido diante das lentes, Santiago me permitiu gravar uma mensagem em vídeo especialmente destinada ao povo brasileiro e à presidenta Dilma, que tomaria posse em cinco dias. Segue abaixo (para quem não compreende bem o espanhol ou possui deficiência auditiva, o texto com a descrição do áudio segue ao final do post).

Mensagem de Santiago, taxista de Caracas, para Dilma e o povo brasileiro

Sobre a Venezuela hoje

Santiago é um representante dos novos tempos na Venezuela. É símbolo do orgulho que os outrora “desechables”* carregam hoje, experimentando, pela primeira vez em mais de cinquenta anos, um governo que busca garantir-lhes dignidade.

Seu irmão mais velho, Alfonso, 65 anos, participou dos programas educacionais do governo em todos os níveis, as chamadas “missões”**: Robinson, Rivas e Sucre. “Ele sabe das coisas muito mais do que eu. Conhece Marx, Lênin e tudo mais”, explicou Santiago.

E, sim, antes que peguntem, a liberdade de imprensa na Venezuela é maior do que no Brasil. Assim como também é maior a hipocrisia dos barões da mídia comercial e seus porta-vozes daquele país.

Lá, as mesmas pessoas que participaram do golpe de 2002 — que deixou Chávez preso durante alguns dias — continuam livres e defendendo abertamente a deposição do presidente eleito pelo povo. Nos Estados Unidos, estariam no corredor da morte. Na Europa, cumpririam a pena máxima pelo crime de conspiração contra a autoridade central da nação. Na “ditadura” venezuelana, o governo aguardou a concessão da RCTV — em cuja sede se reuniam os golpistas — expirar para apresentar processo judicial que impediu a sua renovação.

“No más terrorismo midiático”: cartaz na Feira de Bellas Artes, no centro de Caracas

No Brasil, o presidente da RCTV, Marcel Granier, figura de destaque no golpe de 2002, é tratado por entidades como ANJ e ABERT (além de alguns senadores) como herói da liberdade de imprensa. Nada que surpreenda, afinal. Que o diga a deputada Luiza Erundina, censurada na semana passada pela Band, por ordem direta daqueles que aplaudem Marcel Granier e os demais golpistas em sua luta pela liberdade de imprensa derrubar o governo.

*“Desechables” significa descartáveis ou desprezíveis. É o termo utilizado pelas elites latinoamericanas para descrever o povo pobre, como as mais de 3 mil pessoas assassinadas no Caracazo de 1989, menos de um mês da posse do presidente Carlos Andrés Pérez. Oficialmente, morreram 300 pessoas. Santiago me contou algo que a história oficial não registra: foram feitas valas coletivas onde se despejavam os corpos e a sociedade civil contabilizou mais de 3 mil desaparecidos. Mais detalhes aqui.

**As missões Robinson (pseudônimo de Simon Bolívar em alguns de seus textos), Ribas (homenagem ao herói nacional José Félix Ribas) e Sucre (homenagem ao estadista Antonio José de Sucre, outro herói nacional) são programas educacionais para grandes contingentes da população venezuelana, realizados em cooperação com Cuba, através de diversos convênios. Enquanto a missão Robinson trabalha com os analfabetos ou semianalfabetos, a Ribas facilita a conclusão do curso universitário pelas pessoas pobres e a Sucre forma profissionais de nível superior em áreas estratégicas para a economia do país. Em 2005, sete anos após o início do governo Chávez,  a UNESCO declarou a Venezuela “Território Livre do Analfabetismo”. Sites oficiais dos programas:

http://www.misionrobinson.me.gob.ve
http://www.misionribas.gov.ve
http://www.misionsucre.gov.ve

PS: Quem for a Caracas e quiser conhecer o Santiago ou utilizar seus serviços, os celulares dele são: 0424-2021256 e 0416-8082125

Com Santiago, taxista que simboliza os novos tempos na Venezuela (detalhe para a charge de Che ao fundo, que só percebi quando olhei a foto no pc).

Clique em Leia Mais para ler o texto da descrição da mensagem em vídeo do Santiago.

“Boa tarde, meu nome é Santiago Archimedes Chacón, sou venezuelano, tenho dois filhos, minha esposa, sou caraquenho e trabalho nesta cidade com transporte executivo ou serviço de táxi há muito tempo.

Adoro meu trabalho porque tenho contato com as pessoas, de uma ou outra maneira, de todas as classes sociais.

Bem, estamos aqui com esta Revolução Bolivariana, com esta integração, com o presidente Chavez. Pátria ou Morte!

Essa é uma luta constante no mundo, contra o capital, que quer nos oprimir, e nos colocamos firmes contra isso. A Revolução é um exemplo, um exemplo para o mundo, porque são duas classes: o capital e o social, o socialismo.

E nisso estamos: no resgate dos valores, da solidariedade, da irmandade entre os povos. Aqui, por exemplo, agora mesmo, com o presidente Evo, o presidente Lula, a presidenta Kirchner, Cristina de Kirchner… aqui estamos nessa luta.

O problema que houve com Honduras, não se pode esquecer, temos que ter no presente. Nos meios de comunicação da imprensa mundial ficou como se não tivesse ocorrido nada, mas é algo que temos que ter no presente, o problema do Haiti… E aí estamos nessa luta de solidariedade… Não se pode esquecer…

[E SUA OPERAÇÃO?]

Bem, no ano de 2005 fui enviado a Cuba, pela “Operação Milagre”, me operaram o olho direito, fiquei dez dias lá e, bem, a irmandade do povo cubano, das pessoas, foi algo maravilhoso. Estive apenas dez dias lá e ficar um mês seria maravilhoso. Gostaria que algum dia isso acontecesse… que o intercâmbio entre as todas as pessoas latino-americanas, a entrada entre os países seja mais acessível.

Por que às vezes, para nós, como pobres, é muito difícil juntar tantos dólares para visitar um desses países. Então é preciso fazer programas sociais para que possamos nos integrar muito mais.

Esses povos são maravilhosos, imagino que os brasileiros, os bolivianos, os peruanos, os chilenos, os argentinos, imagino que todos são belos, porque somos América Latina.

Aqui nos inculcaram antes que deveríamos conhecer a Europa. “Vamos para os Estados Unidos, vamos para o norte, vamos para a Europa”… e nós estamos aqui pertinho e não nos conhecemos.

E agora nos conhecemos com essa integração que encaminha o presidente Chavez, junto com os demais presidentes latinoamericanos, que graças a Deus chegaram. Bem, estamos nessa integração, mas queremos pisar em terras brasileiras, terras argentinas, terras cubanas, assim como os cubanos virem à Venezuela, os brasileiros virem à Venezuela e assim nos conhecer, porque só o que queremos é nos integrar e darmos as mãos. Muito obrigado.

[UMA MENSAGEM PARA O POVO DO BRASIL E PARA A PRESIDENTE DILMA]

Uma mensagem para a presidenta Dilma, brasileira, que inicia seu mandato nos primeiros dias de janeiro: que mantenha sua palavra e manter sua palavra é ser solidária com o povo. Reinvindicar a luta que travamos há mais de dez anos. Não tem sido fácil essa integração e é preciso tê-la e estendê-la muito mais. Que não se esqueça do povo. O povo é quem manda e nós obecedemos. E ela como nova presidenta deve obedecer ao seu povo, ao povo brasileiro. Uma saudação a todo o povo do Brasil. Ajudem sua presidenta, porque ela sozinha não poderá. [Vocês] têm que ajudá-la, serem solidários com as decisões que se tomem. Às vezes são um pouco fortes, mas temos que segui-la, como o melhor caminho. Pensar bem. Não nos deixemos levar pela mídia. Estudemos, investiguemos, para assim termos nossas próprias decisões. Obrigado.”

*****

Em tempo: os telefones celulares do Santiago, caso você vá para Caracas e precise tomar um táxi:

0424-2021256 ou 0416-8082125 – se for ligar do Brasil, acrescente 00 +operadora + 58


Respostas

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  3. Grande Rogério,
    Meus Parabéns, pela pedagógica matéria sobre política e participação popular!
    “porque só o que queremos é nos integrar e darmos as mãos.” …”Pensar bem. Não nos deixemos levar pela mídia. Estudemos, investiguemos, para assim termos nossas próprias decisões.”
    Muito obrigado!

    Há braços de lutar,

    Daniel

  4. […] Para quem não viu aqui, segue também a mensagem em vídeo (esse com luz boa) de um taxista socialista de Caracas para o Brasil e Dilma Rousseff. […]


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